Da Redação
Nesta sexta-feira 12, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Transporte Coletivo de Campo Grande, instaurada pela Câmara de Vereadores, apresentou relatório final cobrando a substituição imediata de 197 ônibus que estão com idade máxima acima do limite estabelecido em contrato e recomendando a intervenção no Consórcio Guaicurus para que sejam cumpridas as obrigações contratuais. A Comissão sugere ainda o indiciamento de todos os diretores e ex-diretores do Consórcio, de dois ex-diretores-presidentes da Agência Municipal de Transporte e Trânsito (Agetran) e de dois ex-diretores-presidentes da Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos (Agereg).
O documento contempla cerca de 800 páginas, contendo trechos de depoimentos, gráficos, dados contratuais, contábeis e técnicos, entre outros. A Comissão é composta pela vereadora Ana Portela (relatora), vereador Dr. Lívio (presidente), vereadora Luiza Ribeiro, vereador Junior Coringa e vereador Maicon Nogueira. O documento foi apresentado à imprensa na manhã desta sexta-feira, mantendo a política de transparência em todas as ações executadas, e está disponível para que todos os cidadãos tenham acesso.
Conforme o relatório “a CPI apurou descumprimentos reiterados pelo concessionário, tais como: manutenção de frota envelhecida acima do limite contratual; ausência de contratação do seguro obrigatório; falhas na manutenção preventiva e na acessibilidade; e precariedade operacional com atrasos, quebras e superlotação”. Falhas de fiscalização também foram apontadas no documento.
Os dados levantados no relatório, com as devidas recomendações, serão encaminhados ao Ministério Público Estadual, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público de Contas de Mato Grosso do Sul, Tribunal de Contas, Prefeitura de Campo Grande e ao Consórcio Guaicurus.
Para a vereadora Ana Portela, relatora da Comissão, fez uma ampla apresentação dos principais tópicos do relatório à imprensa. Ela ressaltou que o Consórcio Guaiucurus descumpre várias obrigações contratuais, entregando serviço de baixa qualidade, e a prefeitura falha na fiscalização. “Diante dos fatos apurados, não é possível continuar como está. Acredito que teremos mudanças concretas a partir desta CPI”.
Ainda segundo a parlamentar, “A gente também consegue demonstrar, dentro do nosso relatório, que o Consórcio Guaicurus teve capacidade financeira de fazer investimento, mas ele não fez. Ele faz pagamentos para empresas ligadas ao quadro-societário, para isso ele tem dinheiro, mas ele não tem dinheiro para comprar ônibus novo. Então, a matemática realmente não fecha, não adianta jogar para a população campo-grandense”, afirmou a vereadora Ana Portela. Por outro lado, há a inércia das agências responsáveis pela fiscalização.
De acordo com o vereador Dr. Lívio, presidente da Comissão, salientou que foi um “trabalho longo, de seis meses, com investigação, com tecnicidade, que ficou muito a contento do que a população esperava”. Ele citou que foi identificada a troca imediata desse 197 ônibus, que precisa ser feita, além de outras irregularidades que o Consórcio precisa corrigir ao longo do contrato. “Nós identificamos algumas movimentações financeiras contábeis do Consórcio, que precisam ser melhor averiguadas pelo Ministério Público, identificamos as fragilidades das agências reguladoras e da Agetran, sugerindo inclusive muitas recomendações, como por exemplo o concurso público”, pontuou.
Indiciamentos e intervenção
No trecho de encaminhamentos ao Ministério Público Estadual, a Comissão cita o descumprimento reiterado de cláusulas contratuais por parte do Consórcio Guaicurus, como falta de renovação da frota, má qualidade dos serviços, ausência de transparência contábil ou desobediência à fiscalização, para justificar a intervenção.
O relatório ponta que a prefeitura dispõe de um rol de medidas para restaurar a normalidade contratual, apontando quem, inicialmente, pode-se buscar uma solução consensual por meio da instauração de um tribunal de arbitragem, dispositivo previsto contratualmente, um mecanismo cada vez mais utilizado para dirimir conflitos em contratos administrativos de forma célere e especializada.
Ainda de acordo com o documento, “Contudo, caso a situação exija uma ação mais enérgica e imediata para proteger o interesse público, afigura-se cabível a adoção da medida extrema de intervenção na concessão, prevista na Lei nº 8.987/1995”. Acrescenta ainda que a intervenção permite ao Poder Concedente, no caso a prefeitura, assumir provisoriamente a operação do serviço, com o objetivo de assegurar sua adequação e o fiel cumprimento das obrigações contratuais e legais.
Na Lei nº 8.987/1995, a chamada Lei de Concessões, e na Lei Municipal nº 4.584/2007, que dispõe sobre o Sistema Municipal de Transporte Coletivo de Campo Grande. “A intervenção é, portanto, instrumento legítimo de garantia do interesse público local”, aponta o documento.
A Comissão pede ainda que, seja avaliada a “responsabilidade civil, administrativa e criminal dos Gestores das Agências Agereg e Agetran, em razão da inércia no exercício do dever legal de fiscalizar, que resultou em fragilização do controle contratual e prejuízos à adequada prestação do serviço público de transporte coletivo”.
A CPI solicitou ainda uma investigação aprofundada acerca das transações, alienações e operações societárias realizadas pelo Consórcio Guaicurus, em especial a venda do imóvel da Viação Cidade Morena, a movimentação financeira com a empresa Viação Cidade dos Ipês.
Também foi solicitado o indiciamento de todos os diretores e ex-diretores do Consórcio Guaicurus pelos indícios de eventual ato de improbidade administrativa, possíveis crimes de peculato e exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo direto e iminente. O pedido contempla os diretores desde 2012, ano de formalização do contrato.
Sendo sugerido o indiciamento de Luís Carlos Alencar Filho e Janine de Lima Bruno, ex-Diretores-Presidentes da Agetran, além de Odilon de Oliveira Junior e Vinícius Leite Campo, ex-Diretores-Presidentes da Agereg, pelos indícios de prevaricação e improbidade administrativa. Os documentos mostram que eles foram omissos na fiscalização do transporte coletivo e, diante de evidentes descumprimentos contratuais, não adotaram as medidas cabíveis.
Frota
Para o Consórcio Guaicurus, a CPI pede que ocorra, de forma imediata e integral, a regularização de todas as pendências contratuais e irregularidades constatadas, as quais comprometem a qualidade, a segurança e a continuidade do serviço público essencial de transporte coletivo.
Sendo solicitada a substituição imediata dos 197 ônibus que se encontram em idade máxima superior ao limite contratual. Atualmente, a idade média está em 8,59 anos, quando o permitido é de 5 anos. Também foi solicitado um plano rigoroso de manutenção preventiva e corretiva em toda a frota, assegurando o bom estado de conservação, a funcionalidade dos equipamentos, inclusive elevadores de acessibilidade, e a plena segurança operacional.
Foram solicitados vários documentos previstos em contrato, como a elaboração imediata da Matriz Origem-Destino atualizada, indispensável ao planejamento técnico-operacional, fato bastante cobrado durante as oitivas de gestores do transporte público.
Conforme documento, “A Comissão Parlamentar de Inquérito ressalta que o descumprimento destas determinações sujeitará o Consórcio Guaicurus à aplicação das sanções contratuais cabíveis, incluindo multas, intervenção e, em última instância, a declaração de caducidade da concessão”.
O documento ainda acrescenta que a prefeitura deve assumir integralmente suas responsabilidades de poder-dever de fiscalização e adote medidas progressivas urgentes e eficazes para sanar as falhas sistêmicas na fiscalização e na gestão do contrato de concessão. São apontadas várias mudanças administrativas na Agetran e Agereg.
Por fim, acrescenta que a defesa do interesse público e a garantia de um transporte coletivo de qualidade para a população de Campo Grande são inegociáveis e demandam atuação firme e diligente do município.
Contas
Na lista de recomendações, com encaminhamento ao Ministério Público Federal, o relatório apontou ainda a prática de retiradas disfarçadas de lucros por parte dos sócios da empresa Consórcio Guaicurus, em uma possível fraude contra o erário público e sonegação fiscal. Conforme documentos, como livro razão, livro diário e relatórios contábeis, há fortes indícios de que as operações financeiras simuladas buscaram desviar recursos para fins particulares, o que pode ter causado prejuízos significativos à União.
Diante deste fato, foi solicitada a instauração de procedimento investigatório para aprofundar a apuração dos fatos e, se for o caso, propor as medidas judiciais cabíveis para responsabilizar os envolvidos e garantir o ressarcimento dos valores.
Comissão
A Comissão do Transporte Coletivo foi instaurada no dia 20 de março deste ano, conforme Ato da Presidência. Três eixos principais nortearam a Comissão: a utilização de frota com idade média e máxima dentro dos limites contratuais e o estado de conservação dos veículos, nos últimos cinco anos; o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, à luz dos subsídios públicos concedidos; e a efetividade da fiscalização exercida pela Prefeitura Municipal, pela Agereg e pela Agetran, especialmente após a assinatura do Termo de Ajustamento de Gestão (TAG) perante o Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul, em novembro de 2020.
Os trabalhos contemplaram análise documental, inspeções técnicas, requerimentos aos órgãos competentes e a fase de oitivas. Todos os depoimentos foram transmitidos ao vivo para a população por meio da TV Câmara, no canal 7.3, e no Youtube da Casa de Leis, medida que contribuiu ainda mais para a transparência dos trabalhos. Os vereadores também estiveram nas ruas colhendo depoimentos de passageiros, durante Audiência Pública promovida. Ainda, foi disponibilizado um canal de Ouvidoria da CPI, que resultou em 644 denúncias, garantindo a participação popular nas apurações.