Da Redação
Por João Antonio de Albuquerque e Souza, presidente do Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJD-AD)*
No Brasil, a maioria dos atletas profissionais atua sob contratos de curta duração e com salários modestos. Assim, a ocorrência de graves lesões durante o período contratual é uma realidade frequente e preocupante, onde em muitos casos, os clubes optam por não renovar o vínculo com o atleta lesionado, deixando-o desamparado em um momento de vulnerabilidade física e financeira. Essa prática, além de eticamente questionável, contraria a legislação vigente e ignora direitos fundamentais do trabalhador-atleta.
A legislação brasileira é clara ao estabelecer a estabilidade provisória no emprego para o trabalhador que sofre acidente de trabalho, inclusive para aqueles contratados por tempo determinado, como é comum no esporte. O artigo 118 da Lei 8.213/91 garante ao segurado a manutenção do contrato de trabalho por pelo menos doze meses após o término do auxílio-doença acidentário. A Súmula 378, III, do Tribunal Superior do Trabalho (TST) reforça que essa estabilidade se aplica também aos contratos por prazo determinado, abrangendo, portanto, os atletas profissionais.
Além disso, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a Lei Pelé (Lei 9.615/98) asseguram que, durante o afastamento, o clube deve arcar com todos os custos relacionados ao tratamento médico, cirúrgico e fisioterapêutico necessários à reabilitação do atleta. Apesar dessas garantias legais, a realidade mostra que muitos clubes ainda resistem em cumprir suas obrigações, seja por desconhecimento, descaso ou conveniência financeira.
A dispensa do atleta lesionado ao término do contrato, sem a devida reintegração ou indenização pelo período de estabilidade, configura uma grave violação dos direitos trabalhistas e pode resultar em ações judiciais que oneram ainda mais as instituições esportivas. O clube que não reintegra o atleta após o término do benefício previdenciário pode ser condenado a pagar salários, FGTS, INSS e todas as verbas referentes ao período de estabilidade, além de custear integralmente o tratamento médico e fisioterapêutico. Em casos mais graves, pode haver condenação por danos morais, agravando ainda mais a situação financeira e reputacional da entidade.
Um exemplo disso ocorreu com o volante Paulinho, ex-Corinthians. Em meados de 2023, ele passou por uma cirurgia no joelho esquerdo devido a uma lesão ligamentar, com previsão de retorno aos gramados apenas em março de 2024, quando seu contrato já estaria encerrado. Diante disso, o Corinthians, obrigado por lei a mantê-lo registrado até o término da recuperação, renovou o vínculo do atleta.
A questão se agrava quando se observa que a maioria dos atletas profissionais no Brasil recebe salários entre um e três salários mínimos, mesmo no futebol masculino, que é o esporte mais bem remunerado do país. Hoje, um Atleta Profissional ganha em média R$ 4.729,22 para uma jornada de trabalho de 43 horas semanais de acordo com pesquisa do Portal Salario de 2025 junto a dados de 1.298 profissionais admitidos e desligados em todo Brasil no regime CLT nos últimos 12 meses divulgados pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED).
Isso significa que, para a imensa maioria dos atletas, uma lesão grave pode representar não apenas o fim de uma temporada, mas o comprometimento de sua carreira e de sua subsistência. Em um ambiente em que os treinamentos são intensos e as estruturas nem sempre são adequadas, a ocorrência de lesões é comum, e a responsabilidade dos clubes em garantir a recuperação e a estabilidade do atleta deve ser vista como uma obrigação inegociável.
A Lei Geral do Esporte (Lei 14.597/23), em seus artigos 86 a 90, reforça e consolida a proteção ao atleta lesionado, estabelecendo de forma inequívoca a responsabilidade dos clubes em assegurar o tratamento e a estabilidade do jogador. No entanto, a efetividade dessas normas depende da fiscalização e da conscientização das entidades esportivas, que precisam compreender que o respeito aos direitos trabalhistas é parte fundamental da profissionalização e da credibilidade do esporte nacional.
O descumprimento dessas obrigações prejudica o atleta individualmente e também compromete a imagem do clube e do próprio esporte, afastando investidores, patrocinadores e torcedores que valorizam a ética e a responsabilidade social. Por isso, é imprescindível que os clubes adotem uma postura mais responsável e alinhada com a legislação. A estabilidade acidentária não é uma concessão, mas um direito garantido por lei, que busca proteger o trabalhador em um momento de extrema fragilidade.
O cumprimento dessa obrigação deve ser visto não apenas como uma exigência legal, mas como um compromisso ético com a dignidade do atleta e com a integridade do esporte. A profissionalização do futebol e de outras modalidades esportivas passa, necessariamente, pelo respeito aos direitos trabalhistas e pela valorização do ser humano que está por trás do atleta.
A estabilidade por acidente de trabalho para atletas em fim de contrato é uma conquista importante, mas que ainda enfrenta resistência e desconhecimento no meio esportivo. É fundamental que clubes, federações e demais entidades do esporte compreendam a importância de cumprir a legislação e de garantir a proteção ao atleta lesionado. O respeito à estabilidade acidentária não é apenas uma obrigação legal, mas um imperativo ético que contribui para a construção de um ambiente esportivo mais justo, profissional e humano. O esporte brasileiro precisa evoluir para respeitar e proteger aqueles que o constroem diariamente, dentro e fora dos campos e quadras.
*João Antonio de Albuquerque e Souza é atleta olímpico, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestre em Direito e Justiça Social pela UFRGS. Atualmente, é Presidente do Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJD-AD) e sócio fundador do escritório Albuquerque e Souza. Com expertise em Direito Civil, Trabalhista e Desportivo, sua atuação abrange temas como contratos e responsabilidade civil.

 
								





