*Por João Antonio de Albuquerque e Souza, Presidente do Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJD-AD)*
O crescimento acelerado do uso de esteroides anabolizantes em academias, competições esportivas e até fora desses ambientes tem se consolidado como um grave problema de saúde pública. Substâncias criadas originalmente para fins médicos restritos, como o tratamento de hipogonadismo, passaram a ser utilizadas de forma indiscriminada na busca de ganhos estéticos rápidos ou de melhora no desempenho físico. Essa distorção de finalidade não apenas compromete a saúde individual, como também coloca em xeque a integridade do esporte competitivo.
Estudos da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) estimam que cerca de 3,3% da população mundial já tenha feito uso dessas substâncias. A disseminação ocorre em grande parte por influência cultural e midiática, marcada pela exaltação de corpos hipertrofiados e pela promessa de resultados imediatos. No entanto, o que muitas vezes é ignorado são os riscos concretos e documentados do abuso dessas drogas, que incluem infertilidade, distúrbios psiquiátricos, hepatotoxicidade e até morte súbita por complicações cardiovasculares.
A utilização de anabolizantes fora das indicações médicas é desprovida de base científica. Ainda assim, práticas como o uso em ciclos, pirâmides ou associações com outras substâncias seguem difundidas como se pudessem reduzir riscos, quando na realidade ampliam os danos potenciais, sendo muitos desses danos irreversíveis. A combinação com hormônio do crescimento, hormônios tiroidianos ou diuréticos, por exemplo, não elimina efeitos colaterais e ainda cria um cenário de colapso fisiológico em diferentes sistemas do corpo.
As consequências vão além da esfera física, já que usuários frequentes têm maior propensão a quadros de depressão, comportamento agressivo, surtos psicóticos e risco de suicídio. Além disso, há correlação com aumento da criminalidade, seja por impulsividade exacerbada, seja pela dependência de mercado clandestino que envolve contrabando e manipulação em laboratórios ilegais. Nesse sentido, o problema deixa de ser apenas clínico e passa a ser também social, com efeitos que reverberam na segurança pública.
No esporte, o uso de anabolizantes representa ameaça direta à credibilidade das competições. A Agência Mundial Antidopagem (WADA) proíbe seu uso com punições que podem chegar a quatro anos de suspensão. Ainda assim, escândalos recorrentes de doping demonstram que a prática segue enraizada, desafiando a ética esportiva e minando a confiança do público. A busca pela vitória a qualquer custo, somada à pressão por desempenho, acaba se tornando terreno fértil para que alguns atletas busquem essas condutas ilícitas. Hoje, os anabolizantes com maior quantidade de resultado adverso são estanozol, oxandrolona, ostarina e decanoato de nandrolona, mas, em não raros casos, são detectados inclusive produtos de uso veterinário que sequer são aprovados para uso humano, como trembolona e boldenona.
No Brasil, a Resolução nº2.333/2023 do Conselho Federal de Medicina reforça a proibição do uso estético ou de melhora de performance, classificando como antiética a prescrição para fins não terapêuticos. Apesar disso, há relatos crescentes de profissionais que recomendam o uso sem justificativa clínica adequada, ampliando a falsa percepção de segurança. Esse cenário evidencia falhas tanto na fiscalização quanto na conscientização de pacientes e praticantes de atividade física. Atualmente, se comprovado que o médico prescreveu esteroide anabolizante a atleta, o médico também responderá pela violação de regra antidopagem de administração de substância dopante e poderá ser suspenso por até 30 anos, além das punições que também poderão ser aplicadas ao atleta.
O relatório da SBEM ainda aponta que a mortalidade entre usuários de anabolizantes é três vezes maior do que na população em geral. Essa estatística reflete a toxicidade direta das substâncias e também a cadeia de comportamentos de risco associada ao seu consumo.
O avanço do uso indiscriminado de anabolizantes exige respostas coordenadas entre medicina, educação, esporte e políticas públicas. Campanhas de conscientização, fiscalização mais rígida e fortalecimento das instâncias antidopagem são medidas urgentes para conter o fenômeno. Sem uma atuação integrada, o culto ao corpo perfeito continuará alimentando uma engrenagem lucrativa, mas de alto custo humano, em que a promessa de músculos esconde um rastro de adoecimento e exclusão esportiva.
*João Antonio de Albuquerque e Souza é atleta olímpico, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestre em Direito e Justiça Social pela UFRGS. Atualmente, é Presidente do Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJD-AD) e sócio fundador do escritório Albuquerque e Souza. Com expertise em Direito Civil, Trabalhista e Desportivo, sua atuação abrange temas como contratos e responsabilidade civil.