Da Redação
Tema central da trama das 9, a maternidade precoce reflete uma realidade que ainda afeta milhões de brasileiras e, segundo a psicóloga perinatal Rafaela Schiavo, exige acolhimento efetivo e atenção à saúde mental das adolescentes
A novela Três Graças, que estreou na faixa das 21h da TV Globo, retrata a gravidez na adolescência a partir de três gerações de mulheres que se tornaram mães precocemente. O enredo aproxima a ficção de um tema de saúde pública que persiste no país e, segundo a psicóloga perinatal Rafaela Schiavo, requer acolhimento efetivo e cuidado com os efeitos emocionais e sociais quando a jovem não conta com rede de apoio.
“Gestantes adolescentes são um grupo de risco para a saúde mental. A fase da adolescência já é um período potencial de risco para ansiedade e depressão, e o período perinatal também é um período de risco. Imagine então quando esses dois períodos de risco se encontram”, alerta a psicóloga.
Segundo pesquisa do Centro Internacional de Equidade em Saúde da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), uma em cada 23 adolescentes brasileiras entre 15 e 19 anos se torna mãe a cada ano. Entre 2020 e 2022, mais de 1 milhão de adolescentes entre 15 e 19 anos tiveram filhos. Já na faixa de 10 a 14 anos, foram mais de 49 mil casos, e, nessa faixa etária, qualquer gestação é considerada estupro de vulnerável.
O estudo também apontou que 22% dos municípios brasileiros têm taxas de fecundidade comparáveis às dos países mais pobres do mundo, com forte relação com privação social, evasão escolar e ausência de políticas públicas eficazes. A psicóloga também alerta para a ausência de diálogo nas famílias e nas escolas, o que dificulta a prevenção. “O tabu de falar com adolescentes sobre sexo, sexualidade, pode aumentar os casos de gravidez na adolescência, sim. Precisamos que professores e escolas abram mais espaço para esse diálogo com os pais, para ensiná-los a conversar com os filhos”.
Ela cita situações comuns, como adolescentes que não podem guardar preservativos ou anticoncepcionais em casa por medo da reação dos pais. “Isso complica ainda mais para o adolescente conseguir prevenir uma gravidez nesse período”, aponta.
“Achei que não teria apoio”
O medo do julgamento e a insegurança sobre o futuro foram os primeiros sentimentos que surgiram quando Nicole Gomes, aos 16 anos, descobriu que estava grávida. Como muitas adolescentes na mesma situação, ela não sabia como contar para a família e temia enfrentar tudo sozinha.
“Fiquei em choque e pensei que não conseguiria dar conta. As pessoas sempre falam que uma gravidez na adolescência muda tudo, e eu tinha medo de não ter apoio”, conta.
A reação da família foi diferente do que ela imaginava. “Minha mãe ficou receosa no começo, mas me ajudou. Meu pai disse que já desconfiava e minha irmã ficou dividida entre a preocupação e a felicidade. Mas o mais difícil foi perceber que, dos muitos amigos que eu tinha, apenas uma realmente esteve ao meu lado”, relembra.
Com o passar dos meses, os desafios aumentaram. O pai do bebê se afastou, e Nicole precisou aprender a lidar com a nova rotina sem o suporte dele. “Eu queria que ele estivesse presente, mas isso não aconteceu. Além disso, as pessoas comentavam e me olhavam diferente, e isso machuca. O começo foi o mais difícil, porque eu não sabia como cuidar do meu filho. Aprendi aos poucos, mas foi um processo”, diz.
Os impactos também atingiram seus estudos e a vida profissional. “Parei de estudar no começo porque tinha medo do que as pessoas falariam. Depois que meu filho nasceu, voltei aos estudos e tive que buscar empregos que me permitissem estar com ele. Meu maior receio sempre foi perder momentos importantes da infância dele”, afirma.
Hoje, com quase 20 anos e com mais maturidade, Nicole explica que a “maternidade não é fácil, principalmente no começo. É normal sentir medo e insegurança, mas aos poucos tudo melhora. Com apoio e paciência, a gente aprende e segue”.
Mais acolhimento, menos cobrança
Além das pressões emocionais e culturais, as adolescentes grávidas enfrentam barreiras sociais que tornam o período ainda mais desafiador. “A sociedade costuma responsabilizar apenas a jovem pela gravidez e ignora o papel do parceiro. Isso agrava a pressão e aumenta o risco de isolamento e abandono emocional”, alerta a psicóloga.
Para Rafaela, o acolhimento não deve ser apenas para a mãe, mas para toda a rede de apoio envolvida, incluindo os próprios adolescentes que desejam assumir a paternidade, mas enfrentam essas barreiras sociais e familiares.
“Acolher essas jovens com empatia e respeito é o primeiro passo para transformar o futuro delas e dos bebês. Com suporte adequado e um olhar empático sobre as barreiras culturais e sociais, é possível enfrentar os desafios da gestação precoce de forma mais segura”, conclui.
Ainda segundo a psicóloga, a prevenção da gravidez na adolescência vai além do acesso a anticoncepcionais. É necessário criar um ambiente seguro para que os adolescentes tomem decisões com mais consciência e desenvolvam relações saudáveis.
Veja 5 formas de acolher:
1. Evite julgamentos
Frases como “você estragou sua vida” aumentam o isolamento da adolescente. Acolher sem críticas é essencial para que ela se sinta segura e tenha o suporte necessário para enfrentar a gestação.
2. Incentive o início do pré-natal
Muitas jovens escondem a gravidez por medo ou vergonha, o que pode atrasar o início do pré-natal e aumentar os riscos de complicações. Oferecer apoio emocional é essencial para que busquem atendimento médico o quanto antes.
3. Fique atento a sinais de depressão
Rejeição ao bebê, tristeza persistente ou falta de motivação podem ser sinais de depressão. Nem toda rejeição ao bebê está ligada a transtornos mentais, mas uma avaliação psicológica é fundamental para entender o contexto e oferecer suporte adequado.
4. Apoie a continuidade dos estudos
O abandono escolar é uma das consequências mais comuns da gravidez precoce, comprometendo o futuro da jovem e do bebê. Com apoio familiar e uma rede de apoio, é possível reorganizar a rotina para que ela conclua os estudos.
5. Oriente sobre os direitos disponíveis
Muitas adolescentes desconhecem que têm acesso a serviços como pré-natal gratuito pelo SUS e, em casos previstos em lei, ao aborto legal. Informar sobre esses direitos pode salvar vidas e oferecer mais segurança durante a gravidez.
