*Por Milena Megré
Na COP30 em Belém, as conversas sobre o futuro do clima estão cada vez mais entrelaçadas com o tema da inteligência artificial. Enquanto líderes mundiais discutem a redução das emissões, os algoritmos consomem eletricidade. Cada novo data center é uma pequena cidade que exige energia estável 24 horas por dia. A pergunta que ecoa na conferência é: a IA pode ser “verde” enquanto for alimentada por energia que depende do clima? Sem um setor elétrico preparado, essa revolução digital pode inviabilizar as metas climáticas.
E o consumo global de energia por data centers deve dobrar até 2030. Nesse contexto, não basta adquirir certificados verdes anuais: é preciso que a fonte esteja disponível no momento do uso. Para esse mercado, além da redução da emissão de CO₂ por kWh, estabilidade e previsibilidade de custos são cruciais.
Esses centros operam 24/7 e têm tolerância zero para falhas. Assim, a expansão digital depende diretamente da expansão elétrica. No Brasil, a disponibilidade de energia firme – produzida de forma contínua, independentemente das condições climáticas – molda a geografia da nuvem: fora dos polos metropolitanos, é difícil obter potência estável acima de 100 MW. Sem resolver o acesso à energia, mesmo mercados promissores ficam travados. São Paulo adicionou 71,2 MW em novos data centers somente no primeiro trimestre de 2025, enquanto em Querétaro, no México, o crescimento foi limitado a 4,1 MW por restrições energéticas.
O desafio não é apenas tecnológico, mas também social. Data centers consomem eletricidade e água em regiões muitas vezes carentes de infraestrutura. O Brasil mantém o índice de 88,2% de energias limpas na matriz elétrica, segundo a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), e tem vantagem competitiva “verde”, mas sua dependência hidrelétrica torna o país vulnerável, especialmente em períodos de seca.
Para atender a requisitos rigorosos, estratégias de suprimento 24/7 há várias estratégias em pauta. PPAs 24/7 ou Contratos de Compra e Venda de Energia combinam fontes renováveis e armazenamento, já adotados por empresas como Google e V.tal, que buscam suprimento limpo hora a hora
A geração local e os clusters verdes, com painéis solares, microturbinas e baterias próximas aos campi, reduzem a dependência da rede. Por fim, pequenos reatores modulares (SMRs), são capazes de fornecer energia firme e sem emissões perto dos centros de consumo ou em regiões remotas.
Cada uma dessas soluções tem seu papel. Enquanto baterias e renováveis oferecem sustentabilidade, apenas fontes firmes, como a nuclear, conseguem entregar capacidade previsível e contínua.
Do ponto de vista financeiro, a inclusão da energia nuclear nas taxonomias verdes, iniciada na COP28, abriu caminho para financiamentos sustentáveis no setor. Em 2024, o Banco Mundial encerrou o banimento de projetos nucleares, e o Novo Banco de Desenvolvimento (o banco dos BRICS) passou a considerar os SMRs em sua carteira. Na prática, os data centers terão acesso a capital mais barato, seja por meio de PPAs, seja em parcerias com projetos nucleares modulares, como os desenvolvidos pela gigante russa Rosatom.
Integrar digitalização e agenda climática é crucial. O Brasil lançou em 2024 um programa de R$ 20 bilhões em incentivos a data centers verdes, atraindo Amazon e Microsoft. Agora, com a COP30, o país pode liderar pelo exemplo, reconhecendo oficialmente o valor de fontes limpas 24/7, inclusive nucleares.
Nenhuma solução isolada resolverá o desafio. O futuro sustentável será um mix inteligente: renováveis com armazenamento, hidrelétricas modernizadas e nova capacidade nuclear modular. A transformação digital verde só será possível se conseguirmos alimentar nossos “cérebros” eletrônicos com energia limpa, confiável e acessível, o tempo todo.
* Milena Megré é uma das vozes mais qualificadas da nova geração de especialistas em energia e transição ecológica no Brasil. Com experiência no G20, T20 Brasil e fóruns internacionais como a COP, ela atua na interseção entre inovação tecnológica, planejamento energético e inclusão geopolítica do Sul Global, com atenção especial à justiça climática e à equidade no acesso à energia.
