**Por João Antonio de Albuquerque e Souza, presidente do Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJD-AD)
Embora o doping seja frequentemente associado ao uso de substâncias para melhorar o desempenho esportivo, como anabolizantes e hormônios, muitos casos envolvem drogas de abuso, como maconha, cocaína e ecstasy. Essas substâncias, em geral, não aumentam a performance e são consumidas fora do ambiente competitivo, refletindo questões sociais e, muitas vezes, quadros de dependência química.
Reconhecendo essa distinção, o Código Mundial Antidopagem passou a tratar essas drogas de forma diferenciada, mudança adotada também pelo Código Brasileiro Antidopagem (CBA). Desde 2021, por meio do artigo 119, o CBA prevê punições mais brandas para atletas que usaram substâncias de abuso fora de competição e sem objetivo de obter vantagem esportiva, promovendo um tratamento mais humano e equilibrado.
O uso de drogas como a cocaína, se não for enquadrado como “substância de abuso”, pode levar a punições severas, como suspensões de até quatro anos. Por isso, o CBA determina que o consumo fora do período competitivo seja considerado, utilizando faixas de concentração na urina para estimar o momento do uso. No entanto, fatores individuais influenciam esses níveis, e os dados não devem ser tratados como absolutos.
Esse novo tratamento jurídico não significa conivência com o uso de drogas; ao contrário, reforça o papel educativo do esporte e a necessidade de desincentivar o consumo. Casos como os de Diego Maradona, Richard Gasquet, Jobson e Michael Phelps escancaram para o mundo o impacto das drogas sociais na vida de atletas de elite.
Ainda assim, a sociedade e o sistema esportivo precisam evoluir no entendimento de que, nesses casos, a prioridade deve ser o cuidado, não apenas a sanção. Em resumo, a atual legislação representa um avanço ao reconhecer que nem todo doping é fraude. Muitos são, inclusive, retratos de uma crise maior.
*João Antonio de Albuquerque e Souza é atleta olímpico, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestre em Direito e Justiça Social pela UFRGS. Atualmente, é Presidente do Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJD-AD) e sócio fundador do escritório Albuquerque e Souza. Com expertise em Direito Civil, Trabalhista e Desportivo, sua atuação abrange temas como contratos e responsabilidade civil.