Da Redação
Apesar de leis consolidadas, altos índices de feminicídio e agressões evidenciam a necessidade de políticas públicas eficazes, educação de gênero e apoio institucional às vítimas
Celebrado em 10 de outubro, o Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher marca um momento de reflexão sobre os avanços e os desafios na garantia da segurança e da dignidade feminina no Brasil. Mesmo com leis robustas e amplamente reconhecidas, o país segue registrando índices alarmantes de agressões e feminicídios.
A advogada Tatiana Naumann, sócia do Albuquerque Melo Advogados e graduanda em Direito e gênero pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj), explica que o problema é estrutural e vai além da legislação. “O Brasil tem marcos legais avançados, mas ainda carece de políticas públicas eficazes e de uma cultura que repudie a violência. A lei é o ponto de partida, não o ponto final”, afirma.
O que dizem as leis
A Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) é um marco na proteção às mulheres em situação de violência doméstica, criando mecanismos de prevenção, punição e assistência, como medidas protetivas de urgência, juizados especializados e rede de atendimento com suporte psicológico, jurídico e social.Já a Lei nº 13.104/2015 (Lei do Feminicídio) qualificou o homicídio cometido contra a mulher por razões de gênero, incluindo casos de violência doméstica, familiar ou discriminação, e elevou a pena para até 30 anos de reclusão.
Tatiana destaca que as leis consolidaram a responsabilização penal, mas enfrentam obstáculos na prática. “O principal desafio está na execução. A falta de estrutura para o cumprimento das medidas protetivas e a subnotificação dos casos mostram que a resposta estatal ainda é insuficiente” afirma.
Dados mais recentes sob o olhar dos recordes
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024, o Brasil registrou 1.492 feminicídios, o maior número desde 2015, equivalente a quatro mulheres mortas por dia. Em 80% dos casos, o agressor era companheiro ou ex-companheiro, e em 64,3%, o crime ocorreu dentro de casa. No mesmo período, foram concedidas cerca de 555 mil medidas protetivas, mas mais de 100 mil foram descumpridas, incluindo 121 casos em que as vítimas já estavam sob proteção judicial quando foram assassinadas. Também foram registrados 87.545 estupros, uma agressão sexual a cada seis minutos.
“Não basta punir o agressor. É preciso investir em prevenção, acolhimento e fortalecimento das redes de apoio. A violência de gênero é uma questão de direitos humanos e deve ser prioridade nacional”, ressalta Tatiana. A especialista defende o uso de tornozeleiras eletrônicas, comunicação imediata entre órgãos de segurança e Judiciário e acompanhamento psicossocial das vítimas. “A proteção jurídica precisa vir acompanhada de suporte material e institucional. Sem acolhimento psicológico e financeiro, as mulheres acabam retornando ao convívio com o agressor”.
Educação de gênero e mudança cultural
A longo prazo, a educação de gênero é uma das ferramentas mais eficazes para prevenir a violência. Conteúdos sobre igualdade de gênero e direitos humanos devem ser incluídos nos currículos escolares desde cedo, e campanhas contínuas devem envolver homens e adolescentes, promovendo masculinidades não violentas e respeito às mulheres.“A transformação começa pela educação. É ali que se desconstrói o machismo e se formam valores baseados em igualdade e respeito. Sem mudança cultural, as leis continuarão sendo remédios de emergência, e não soluções permanentes”, aponta.
O papel das empresas e instituições
Empresas e instituições podem atuar de forma estratégica na prevenção e no acolhimento de mulheres vítimas de violência. Além de políticas internas e canais de denúncia seguros, é fundamental treinar gestores e equipes de RH para identificar sinais de abuso e oferecer encaminhamentos adequados.
Programas de flexibilização da jornada, licenças especiais e transferências temporárias protegem a vítima e permitem que ela participe de procedimentos legais ou de acompanhamento psicológico sem riscos. Parcerias com ONGs, órgãos públicos e movimentos sociais ampliam o acesso a suporte jurídico, psicológico e social. “Quando uma empresa adota políticas de acolhimento consistentes, não só protege a funcionária, mas fortalece o papel social da instituição. O ambiente corporativo se torna seguro, e a cultura de respeito e igualdade de gênero se dissemina entre funcionários e lideranças”, destaca.
O Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher reforça que o enfrentamento ao problema exige mais do que leis: requer compromisso institucional, articulação entre poderes, participação das empresas e mudança cultural profunda.

 
								





