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A grande missão de produzir mais

Foto: Divulgação

*Por Carlos Eduardo Godoy

Com o fim da obrigatoriedade da vacinação contra a febre aftosa, o cenário do mercado pecuário brasileiro é complicado e balanceado, com doses de riscos e oportunidades envolvendo o rebanho de 194 milhões de cabeças, que tem na ponta de sua pirâmide o menor de seus problemas. Já os mais de 70% do volume de rebanho que representam o meio e a base dessa pirâmide são, sim, o ponto de preocupação e atenção.

Mudança de conceito

O fim da vacinação contra a febre aftosa nas fazendas do Brasil marca uma virada histórica no modelo de produção pecuária. O foco sai da vacinação massiva e passa a ser de conscientização ativa.

Ao primeiro olhar, o pecuarista enxerga a redução de custos diretos com vacinação, agulhas, manejo, entre outros. Porém, ele precisa compreender que a obrigatoriedade da vacina contra aftosa não o exime de vacinar contra outras doenças que afetam o rebanho, como a raiva e a clostridiose, além de doenças reprodutivas, que silenciosamente afetam a multiplicação dos rebanhos, e doenças respiratórias, que geram perdas e atrasos no sistema de produção.  

Outro equívoco que infelizmente passa pela cabeça de muitos produtores: já que não é mais obrigatório vacinar, então também não precisa desverminar. O que se somava anteriormente à decisão de “juntar o gado” e fazer o certo, agora parece ser errado na opinião heterogênea de muitos produtores. Trata-se de um ledo engano, uma vez que a produtividade no médio e longo prazo tendem a cair consideravelmente.

Diferenças Culturais e Regionais

As diferenças culturais regionais têm impactado na maneira como o pecuarista maneja o gado da porteira para dentro. No Sul do Brasil, a “carrapato-dependência” exige que os manejos ocorram dentro do curral. Por conta da necessidade, o produtor segue um calendário e um protocolo sanitário adequado às necessidades da região. Por sua vez, nas regiões Norte e Centro-Oeste, a invisibilidade dos problemas e a “não carrapato-dependência” fazem com que os produtores protelem o manejo de curral. Problemas de intempéries climáticas como secas ou chuvas também se somam ao desafio de levar o gado para o manejo de curral e consequente uso racional e estratégico de vacinas, vermífugos e suplementos.

Impactos econômicos e de mercado

A expectativa do setor com o fim da vacinação contra aftosa é abrir novos mercados e conquistar diferenciais competitivos. Contudo, os pontos positivos estão contrabalanceados pelos riscos.

O principal ponto positivo dessa condição é o quanto o status de livre sem vacinação é estratégico. Com ele, o Brasil poderá conquistar novos mercados e reduzir a dependência de poucos compradores, como, por exemplo, a China, assumindo a liderança global na exportação de carne com alto padrão sanitário. Além disso, possibilita aumentar o valor agregado da carne brasileira, com certificações de origem, sustentabilidade e saúde e aumentar as exportações para mercados premium, como Japão, Coreia do Sul e EUA.

O maior desafio é evitar a reintrodução do vírus — especialmente por fronteiras vulneráveis e contrabando. Em caso de foco de aftosa, os prejuízos seriam muito maiores, com a suspensão imediata de exportações, perda de status e abates sanitários. O risco sanitário aumenta no curto prazo, especialmente com movimentações ilegais ou falhas de notificação. Países importadores exigirão comprovações sanitárias rigorosas e rastreabilidade confiável.

O fortalecimento da vigilância ativa deverá ser implementado em todo o Brasil, com capacitação de veterinários oficiais e privados. É preciso ampliar e automatizar sistemas de notificação de doenças, implementar barreiras físicas e zonas de contenção, especialmente nas áreas de fronteira.

Outra necessidade é a criação de um banco nacional de antígenos e vacinas contra a febre aftosa. Este banco terá como objetivo armazenar sorotipos virais específicos da doença, permitindo a produção rápida de imunizantes em caso de surtos. Está é uma iniciativa estratégica para garantir a segurança sanitária do Brasil e a manutenção do status de país livre da febre aftosa sem vacinação. Países como Estados Unidos, Argentina, Canadá, Taiwan e Coreia do Sul possuem experiência na gestão de bancos de antígenos.

Rastreabilidade

Com o fim da vacina, há maior pressão para rastreabilidade confiável, do nascimento ao abate, e isso já está em implementação com a publicação no Diário Oficial, em 21 de julho de 2025, do Programa Nacional de Identificação de Bovinos e Búfalos (PNIB).

O PNIB visa a consolidação da rastreabilidade individual de bovinos e búfalos no território nacional, condição essencial para garantir o status sanitário.

Portanto, o fim da obrigatoriedade da vacinação contra a febre aftosa no Brasil inaugura um novo capítulo da pecuária nacional, mais exigente, técnico e integrado a padrões internacionais. A indústria de insumos tem uma corresponsabilidade considerável juntamente com o governo na conscientização do produtor. Da porteira para fora, o governo cuida por meio da fiscalização e implementação de normas, regulamentações e infraestruturas diversas. Da porteira para dentro, o pecuarista juntamente com parceiros comerciais e de pesquisa do negócio trabalham a implementação das tecnologias sanitárias e nutricionais estratégicas e personalizadas para cada etapa da produção. Nossa missão em conjunto é ajudar a pecuária brasileira a produzir cada vez mais e melhor, sem riscos consideráveis.

*Por Carlos Eduardo Godoy, médico-veterinário especialista em Gestão Empresarial e Marketing Executivo pela FGV, gerente de Marketing LATAM Biogénesis Bagó

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