Redação Plenax – Flavia Andrade
Um levantamento inédito realizado no Brasil revelou um cenário preocupante sobre os riscos psicossociais enfrentados por trabalhadores de diferentes setores da economia. Com índices de insatisfação que chegam a 79%, a falta de clareza sobre funções e responsabilidades desponta como o principal fator de estresse no ambiente corporativo, afetando todos os segmentos analisados.
A pesquisa avaliou 245 empresas da Região Metropolitana de Campinas (SP) e marca a primeira vez que o país reúne e divulga dados consolidados sobre fatores psicossociais no trabalho, como pressão excessiva, relações interpessoais e saúde mental. O estudo utilizou a metodologia HSE-IT, referência internacional adaptada para o Brasil pelo professor Sérgio Roberto de Lucca, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e aplicada pela Aventus Ocupacional.
A ferramenta, amplamente utilizada na Europa há mais de duas décadas, permite que empresas comparem seus indicadores com médias de mercado nacionais e internacionais. Além de orientar políticas de gestão e prevenção, os dados também podem ter impacto jurídico, ao demonstrar a posição de uma organização diante de parâmetros globais em eventuais disputas trabalhistas.
O levantamento envolveu empresas dos setores de serviços (50%), comércio (19%), transportes (17%) e indústria (14%). Um dos recortes chama atenção para a realidade da área da saúde, onde grande parte dos profissionais trabalha menos de 40 horas semanais, em razão das escalas de 12×36. A aparente flexibilidade, porém, esconde um risco: muitos profissionais acumulam vínculos, ampliando a sobrecarga física e emocional.
A pesquisa também evidencia a crescente participação feminina no mercado de trabalho. As mulheres já representam 54% da força de trabalho analisada, com maior presença no setor de serviços (69%). A indústria, por outro lado, segue como o segmento com menor participação feminina, com apenas 28%.
Transporte e comércio lideram os piores indicadores
Entre os sete domínios avaliados — Demanda, Controle, Apoio da chefia, Apoio dos colegas, Relacionamentos, Clareza do cargo e Comunicação e mudanças — o setor de transportes apresentou os resultados mais críticos. Motoristas de transporte escolar e fretado relataram elevados níveis de insatisfação em Clareza do cargo (79%), Relacionamentos (69%) e Demanda (68%).
O comércio também apareceu em posição delicada, com índices alarmantes em Clareza do cargo (73%), Relacionamentos (62%) e Apoio da chefia (57%). Na indústria, apenas a clareza das funções superou a média geral de risco, enquanto o setor de serviços apresentou o desempenho mais equilibrado, com indicadores abaixo da média em todos os domínios.
Falta de clareza e excesso de exigência são os principais gatilhos
A análise aprofundada aponta dois fatores centrais como gatilhos do estresse ocupacional no Brasil: excesso de demanda e indefinição de papéis. No transporte, motoristas relatam jornadas que começam antes e terminam depois do horário dos passageiros. No comércio, o modelo de trabalho 6×1, com poucas folgas, intensifica a pressão cotidiana.
O domínio “Clareza do cargo” foi o pior avaliado em todos os setores, com índices de insatisfação entre 65% e 79%. O dado revela falhas recorrentes na definição de atribuições, na comunicação interna e nos processos de treinamento. Segundo o relatório, ajustes simples — como descrições mais objetivas de funções e capacitação adequada — têm baixo custo e alto impacto na redução do estresse e no aumento da produtividade.
Jornada noturna na saúde surpreende
Um recorte específico sobre trabalhadores da saúde em regime noturno, entre 23h e 5h, trouxe um resultado inesperado. Esse grupo apresentou indicadores iguais ou superiores à média em domínios sensíveis como Demanda, Apoio da chefia e Relacionamentos, contrariando a percepção de que o trabalho noturno é, necessariamente, mais prejudicial à saúde mental.
Diagnóstico estratégico e alerta às empresas
Os especialistas apontam que a metodologia utilizada, validada internacionalmente e aplicada há mais de 25 anos, se tornou uma ferramenta estratégica para o cumprimento das exigências da NR-01 e da ISO 45003. A escuta estruturada dos trabalhadores permite direcionar investimentos com mais precisão e efetividade.
“O mapeamento torna os investimentos mais assertivos e os resultados compensam”, destaca o relatório. Além de melhorar o clima organizacional, ações preventivas bem estruturadas reduzem custos com absenteísmo, afastamentos e rotatividade.
O estudo reforça a urgência de políticas corporativas voltadas à saúde mental, especialmente nos setores de transporte e comércio, onde os riscos psicossociais se mostram mais acentuados. Empresas interessadas em aplicar a metodologia podem solicitar avaliação junto à Aventus Ocupacional, responsável técnica pela pesquisa.

