Da Redação
Especialista reforça que 76,6% dos agressores em casos de violência doméstica são homens e defende engajamento masculino ativo para reverter o quadro
O Dia Internacional do Homem, celebrado em 19 de novembro, é uma oportunidade para refletir sobre o papel masculino na sociedade contemporânea, incluindo sua responsabilidade na construção da equidade de gênero. A valorização da diversidade dialoga diretamente com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS), mas especificamente a (ODS 5) da ONU, que prevê alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres até 2030.
Entretanto, é importante reforçar a importância da participação masculina não apenas como aliados, mas como corresponsáveis na construção de uma sociedade mais justa e inclusiva, visto que, no primeiro semestre de 2025, a Central de Atendimento à Mulher recebeu 86.025 denúncias de violência contra mulheres, indicando a continuidade da alta demanda por serviços de proteção e assistência.
Os dados revelam que em 76,6% dos registros de violências domésticas, o agressor é do sexo masculino, segundo o Relatório Anual Socioeconômico da Mulher (Raseam 2025), divulgado pelo Ministério das Mulheres. Além disso, 71,6% das notificações de violência contra mulheres ocorrem dentro de casa, reforçando que o ambiente doméstico, que deveria ser seguro, é na realidade um local de alto risco para muitas mulheres.
Em 2025, o Rio de Janeiro registrou o atendimento de mais de 42 mil casos de agressão nas suas unidades de saúde, com 73,5% das vítimas sendo mulheres e 42% desses casos foram reincidentes. Apesar da alta incidência, houve uma ligeira redução na média diária de notificações de violência contra mulher entre 2024 (148 por dia) e 2025 (139 por dia), conforme dados da Secretaria de Estado de Saúde.
Diante desse cenário nacional preocupante, iniciativas estaduais têm surgido para fortalecer a rede de proteção, como o recente lançamento do Observatório do Feminicídio pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, uma plataforma digital coordenada pela Secretaria de Estado da Mulher.
Segundo a psicanalista e presidente do Instituto de Pesquisa de Estudos do Feminino (Ipefem), Ana Tomazelli, “é impossível pensar em igualdade de gênero sem incluir os homens no debate. Eles precisam reconhecer seus privilégios, rever padrões de comportamento e assumir responsabilidades ativas na desconstrução da violência estrutural que sustenta a desigualdade. Não se trata de uma luta exclusiva das mulheres, mas de uma mudança cultural que interessa a toda a sociedade”.
Mais de 80 mil registros de estupro; 76,8% foram de vulneráveis
Em 2024, o país teve 87.545 registros de estupro, o maior número da história. Desses, 76,8% foram estupro de vulnerável (crianças e adolescentes até 14 anos), 55,6% das vítimas foram mulheres negras, e 65% dos casos ocorreram dentro de casa. Aproximadamente 45,5% dos agressores eram familiares das vítimas, e 20,3% eram parceiros ou ex-parceiros íntimos, segundo a 19ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
“Os dados revelam que a violência contra a mulher não é um problema privado, mas sim estrutural e que afeta toda a sociedade. Quando os homens reconhecem seu papel nessa estrutura, seja como perpetradores, espectadores ou aliados passivos, eles podem se tornar agentes de mudança efetivos. A transformação começa em casa, no trabalho, nas rodas de amigos”, afirma Ana.
Desigualdade no mercado de trabalho e impactos econômicos
De acordo com o 3º Relatório de Transparência Salarial e Igualdade, divulgado em abril de 2025, as mulheres recebem, em média, 20,9% a menos que os homens nos 53.014 estabelecimentos com 100 ou mais empregados no Brasil. As mulheres dedicam cerca de 20,9 horas semanais ao trabalho doméstico não remunerado, contra 10,8 horas dedicadas pelos homens, o que impacta diretamente sua disponibilidade e progressão no mercado de trabalho formal.
Conforme a Organização Internacional do Trabalho (OIT), reduzir a desigualdade de gênero em 25% até o final de 2025 poderá aumentar o PIB em US$ 5,3 trilhões, demonstrando que a equidade de gênero não é apenas uma questão de justiça social, mas também de desenvolvimento econômico.
“Há tempos reforçamos que a participação masculina na divisão do trabalho doméstico e de cuidados é fundamental para que as mulheres tenham as mesmas oportunidades de desenvolvimento profissional. Quando os homens assumem sua parte nessas responsabilidades, eles não estão ‘ajudando’, mas sim exercendo o seu papel como corresponsáveis pela vida familiar e social. Não basta reconhecer a importância dessa mudança: é preciso agir de forma concreta, porque sem a transformação prática do cotidiano, a equidade de gênero não avança”, destaca Tomazelli.
Feminicídios e a urgência na coibição
A pesquisa “Elas vivem”, desenvolvida pela Rede de Observatórios de Segurança revela que em 2024 foram registrados 4.181 casos de mulheres vítimas de violência letal, um aumento de 12,4% em relação a 2023, com 531 casos de feminicídio em nove estados monitorados, o que significa uma morte a cada 17 horas no país. De acordo com os dados, 70% dos feminicídios foram cometidos por parceiros ou ex-parceiros das vítimas.
Ademais, o feminicídio, tipificado no Art.121-A do Código Penal brasileiro desde 2015, foi recentemente fortalecido pela Lei nº14.994, de 2024, que tornou o crime imprescritível e inafiançável, equiparando-o a crimes hediondos como o racismo. A legislação representa um avanço importante no enfrentamento à violência de gênero, mas sua efetividade depende não apenas da punição, mas principalmente da prevenção e da mudança cultural.
O ODS 5 da ONU estabelece como meta eliminar todas as formas de violência contra mulheres e meninas nas esferas públicas e privadas até 2030, incluindo tráfico, exploração sexual e outros tipos de violência. Para alcançar esse objetivo, a participação masculina ativa é essencial.
“Os homens precisam questionar comportamentos machistas dentro de seus próprios círculos sociais. Não basta não ser violento; é preciso ser antissexista de forma ativa. Isso significa intervir quando presenciam situações de assédio, desrespeito ou violência, educar outros homens e meninos, e apoiar políticas públicas de proteção às mulheres. A mudança cultural depende desse engajamento masculino consciente e responsável”, complementa Ana Tomazelli.
Como os homens podem contribuir na prática para a equidade de gênero?
A construção da igualdade de gênero exige ações concretas no cotidiano. Para Ana Tomazelli, existem caminhos práticos que os homens podem adotar para se tornarem agentes ativos dessa transformação:
“Primeiro, é fundamental educar-se sobre o tema. Buscar informações, ouvir as experiências das mulheres e reconhecer os privilégios masculinos é o ponto de partida. Segundo, questionar piadas, comentários e comportamentos machistas, mesmo quando vêm de amigos ou familiares próximos. O silêncio é uma forma de consentimento”, orienta a especialista.
Outras ações práticas incluem: “dividir de forma equitativa as tarefas domésticas e de cuidado com filhos e familiares; apoiar a ascensão profissional de mulheres no ambiente de trabalho; denunciar situações de assédio e violência; participar de campanhas e movimentos pela igualdade de gênero; e educar meninos e jovens sobre o respeito, a empatia e a corresponsabilidade”, acrescenta Ana.
Os homens também podem apoiar e reconhecer organizações que trabalham pela equidade de gênero. Quando empresas e instituições se comprometem publicamente com essa agenda, como o IPEFEM que recentemente ingressou no Pacto Global da ONU no Brasil, elas demonstram que a igualdade de gênero é uma prioridade estratégica e não apenas discurso. Esse tipo de compromisso institucional inspira outras organizações e pessoas a fazerem o mesmo.
O Pacto Global da ONU reúne mais de 21 mil participantes em 162 países e orienta empresas e organizações a alinharem suas práticas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. No Brasil, a rede conta com mais de 1.900 participantes comprometidos com os dez princípios universais nas áreas de direitos humanos, trabalho, meio ambiente e anticorrupção.
“A equidade de gênero é uma responsabilidade compartilhada. Cada homem que se compromete com essa causa, seja em suas relações pessoais, profissionais ou no apoio a iniciativas coletivas, está contribuindo para uma mudança estrutural. Não precisamos de heróis, precisamos de homens dispostos a fazer sua parte todos os dias”, finaliza a Ana Tomazelli.
